sábado, 13 de agosto de 2016

Crítica: "Negócio das Arábias"

Negócio das Arábias
(A Hologram For the King)
Comédia/Drama
Data de Estreia no Brasil: 04/08/2016
Direção: 
Tom Tykwer
Distribuidora: Mares Filmes

É comum que nós, críticos de cinema, atribuamos como uma característica importante para o filme o fato dele saber o que ele quer ser. Uma obra de cinema deve aparentar pelo menos os caminhos que quer seguir, ou deixar delimitado os que não quer seguir quando for sobre um tema mais específico, traçando um percurso gradual de seus assuntos e ideias demonstrando uma estruturação coerente em seu roteiro. "Negócio das Arábias" é um filme que sabe muito bem o caminho que deseja seguir, mas em momento algum deixa este claro para sua audiência. A obra estrelada por Tom Hanks não só surpreende no desenrolar de sua história como também amarra as pontas de seu filme ao final da projeção, ao menos tematicamente, brincando com a expectativa do espectador que senta na sala de cinema para ver uma comédia de choque cultural explorar traços sócio políticos interessantes em sua ambientação e ainda surpreender com questões dramáticas de relacionamentos humanos no percurso.

Baseado no livro "Um Holograma Para o Rei" de Dave Eggers, o roteiro (escrito por Tom Tykwer, também diretor deste longa) conta a história de Alam Clay, um homem de negócios - especialista em vendas - que é enviado para uma cidade emergente que está sendo construída na Arábia Saudita para vender ao rei uma nova tecnologia de comunicação. Falido, divorciado, alcoólatra (mesmo que o filme não chame muita atenção para este fato) e numa aparente "constipação emocional", Clay é o tipico personagem perfeito para o sempre fantástico Tom Hanks que, dono de uma persona camaleônica de homem comum, é capaz de trazer humanidade para quase todos os indivíduos que interpreta. Não é a toa que nas mãos de Hanks a ideia do filme de utilizar da jornada do protagonista como um arco dramático de auto-compreensão não só amplia o filme como o torna factível em seus exageros.
E quando falo em exageros seria fácil para qualquer um pensar que há uma visão orientalista e estereotipada da locação do filme, quando na verdade "Negócio das Arábias" (ainda tentando me acostumar com esta tradução) é um bom expoente de um filme que trata o choque cultural entre um Norte-americano e costumes árabes com uma naturalidade exemplar, fazendo com que o elemento cômico da narrativa não seja uma mistificação ou ridicularização do "outro", mas sim a reação deslocada e desajeitada de Alam Clay no território em que está. Neste sentido é inegável que a personagem Dra. Zahra (Sarita Choundhury) demonstra uma complexidade excepcional por ser uma médica competente, com problemas pessoais comuns, que utiliza dos costumes culturais nos quais está inserida e ainda assim não se mostra uma figura passiva da sociedade, com o filme utilizando de sua caracterização como construção de uma personagem complexa e não um mero obstáculo dramático.
Outro personagem que ganha destaque é o motorista Yousef de Alexander Black, funcionando não só como um alivio cômico eficiente, pontuando também ao longo da narrativa diversos contrapontos culturais que em suas peculiaridades só aproximam os aparentes mundos opostos do oriente e ocidente, sendo a primeira piada que envolve o personagem e a ideia da existência de uma bomba muito bem executada e subversiva na nossa própria expectativa. Jovem, extrovertido e fã de diversos sucessos musicais dos EUA, Yousef ainda consegue pontuar bem elementos de descontentamento com seu país, sem que soe simplório em uma propaganda para o "Tio Sam".
Mas não só de louros vive esta obra, já que seu roteiro escorrega em alguns momentos não em seu tom (que chega a transitar bem pelo farsesco), mas sim em algumas passagens que parecem desnecessárias para a narrativa, soando sempre como uma mera adaptação fiel do livro e tornando a brincadeira que o filme faz quanto a expectativa da plateia deixe de ser divertida para se tornar um percurso de frustração - e um bom exemplo disso é a sequencia passada dentro de um edifício em construção. O segundo ato da história acaba soando inchado com momentos que pouco acrescentam, algo que prejudica o terceiro ato do filme já que parece que este sente a necessidade de concluir todos os seus temas e tramas, criando a sensação de um fade out que está sempre prestes a vir, mas que se demora a chegar.
Ainda assim, não se pode ignorar que o caminho percorrido pelo filme é interessante e divertido, já que há sempre uma construção de acontecimentos que possuem seus lampejos várias cenas antes para se desenvolverem mais a frente na história. Desta forma, deve-se atentar para o fato de que tudo o que ocorre na projeção parece não estar a serviço de concretizar uma história, mas sim o desenvolvimento de nossos personagens. Algo ainda mais escancarado na segunda metade da narrativa quando o que deveria ser o climax do filme é contado de forma rápida e descompromissada, concentrando-se muito mais na jornada do personagem de Hanks do que num fim específico para este.
Isto tudo torna ainda mais penoso observar como o título original "Um Holograma Para o Rei" (tão metafórico e com um caráter de MacGuffin) fora trocado de forma tão ridícula no Brasil, já que projeção de algo que não está realmente ali, que possui uma perspectiva funcional e que propicia uma interação acelerada entre os indivíduos, serve como definição não só para a tecnologia que Clay quer vender, como também para o próprio arco do protagonista, para o projeto de cidades completamente arquitetadas tão comumente construídas hoje em dia e para as próprias relações distanciadas entre os personagens dentro do filme. Tais elementos trazem ainda maior carga para o plano final no qual um Sol e uma Lua, talhados em madeira, fecham o longa indicando tanto a aproximação de dois muntos aparentemente antagônicos com suas especificidades, mas que habitam e compõe de maneira crucial o mesmo sistema.





Ótimo
Por Han Solo

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