terça-feira, 1 de novembro de 2016

Crítica: "Pequeno Segredo"

Pequeno Segredo
Drama/Biografia
Data de Estreia no Brasil: 03/11/2016
Direção: David Schurmann
Distribuidora: Diamond Films



         Quando assistimos a um filme “baseado em uma história real” ficamos obviamente mais flexíveis em aceitarmos coincidências e acontecimentos clichês, os quais caso fossem encontrados numa obra puramente ficcionais nos desagradariam imensamente, já que tais momentos tentam se justificar com a ideia de que aquele filme retrata eventos que realmente tiveram seu lugar na realidade. Contudo, é sintomático que ao se estabelecer tal perspectiva em relação aos acontecimentos da estória em si, a expectativa do público deva ser compensada com uma estrutura de trama mais sofisticada (para que se possam maquiar os acontecimentos clichês), bem como um grau de complexidade maior dos personagens, já que, se estamos falando de pessoas e acontecimentos reais, estes por si só existem em contradição e força emotiva capazes de criar múltiplas facetas. Assim, fica fácil perceber como “Pequeno Segredo” é por vezes muito bem-sucedido em sua construção estrutural, mas é extremamente falho ao dar profundidade a seus personagens, tornando-se uma obra maniqueísta e extremamente tendenciosa.

         Não que estas últimas características sejam de alguma surpresa, já que a história contada pelo longa é de assunto pessoal para o diretor David Schurmann (que também teve participação como produtor ao lado de seu pai e também como roteirista) o qual retrata a história de sua família, com um enfoque especial em sua mãe Heloísa Schurmann (interpretada por Júlia Lemmertz) e a sua irmã adotiva Kat (Mariana Goulart). Apontar o plot do filme nesta crítica seria contraproducente já que os produtores do longa partem do pressuposto de que a história é realmente um completo segredo para o público. Basta dizer que acompanhamos a vida de Kat, uma garotinha que perdeu seus pais muito cedo e foi adotada pela família Schurmann. Deslocando-se entre o encontro apaixonado dos pais da menina, Robert e Jeanne (Erroll Shand e Maria Flor, respectivamente), e o cotidiano da garota já pré-adolescente, o longa traça paralelos entre eventos passados e futuros para explorar a natureza dramática da estória.
         Quando o filme engrena no drama, todo o tipo de tragédia e acontecimento que gera a lágrima fácil surge na tela. O que, como apontei no primeiro parágrafo, pode não ser tão danoso a um filme, porém, o longa da família Schurmann parece fazer força para soar piegas e uma verdadeira ode às personagens que carregam tal sobrenome. Se tomarmos Heloísa como exemplo, logo percebemos que aquela é uma mulher de muita determinação, amor incondicional e que inevitavelmente reconhece quando erra (ainda que justifique seus erros por um amor e proteção a sua filha), sendo uma verdadeira heroína. Assim, é fácil perceber a visão romantizada que o longa possui da personagem, já que até mesmo quando ela se exalta é para se impor a uma espécie de vilã -  Barbara, avó de sangue de Kat e interpretada por Fionnula Flanagan, a única personagem a receber alguma espécie de arco dramático, ainda que previsível.
         Se esta caracterização de personagens soa rasa e frustrante, nada se compara ao que é feito a nossa protagonista, a pequena Kat. Se ao menos o longa merece aplausos por demonstrar todas as características de uma criança normal (como as intrigas com colegas de turma, os primeiros romances e amizades), também merece ressalvas quanto ao fato de que por esta ser uma personagem que nunca se desenvolve e que fica a mercê de um olhar carinhoso de seu irmão diretor do longa, Kat se resume a justamente ao seu “segredo”, em seus desafios e medos, algo que é no mínimo reprovável. E se este ar tendencioso não destrói o filme, é justamente pelas performances cheias de carisma de seu elenco, num destaque especial para Lemmertz, que consegue despertar um ar protetor com o sentimento de angustia e impotência frente a determinadas situações as quais são muito mais complexas que o roteiro que lhe foi dado.
         Aliás, tal complexidade é encontrada na montagem magnífica de Gustavo Giani, que consegue fazer rimas temáticas e ritmar a construção do longa, como no momento em que duas personagens de passagens cronológicas diferentes possuem uma dificuldade para andar, com aqueles momentos representando pontos dramáticos importantes para cada uma. A fluidez do filme se deve justamente ao trabalho de Giani, o qual consegue manter o interesse e a atenção do espectador enquanto salta entre dois períodos distintos sem que com isso a história pareça confusa. Mesmo assim, nem mesmo o ótimo trabalho do montador consegue salvar o longa de ser brega, quando David Schurmann parece querer empregar imagens metafóricas no meio da narrativa – algo fácil de se perceber na sequencia passada dentro de uma banheira no qual Kat do “presente” e Jeanne no passado se encontram de forma plasticamente bela, mas completamente deslocada com o resto da linguagem do longa.
         Não que Schurmann realize um trabalho ruim na direção, de forma alguma. Apenas fica evidente que a paixão do realizador pelo projeto interfere brutalmente em sua abordagem. Se plasticamente o diretor consegue criar belas sequencias num contra-luz e até empregar uma câmera lenta breve e efetiva, há ainda até um dinamismo de intensidade por parte do diretor em retratar embates verbais e posicionar seus atores para que um breve diálogo seguido por um silêncio agudo seja o bastante para salientar o drama dentro do filme. Porém, se o filme já era tendencioso em seu roteiro, na forma com que retrata as personagens, isto se agrava muito mais graças a direção de Schurmann.
         Como pode ser percebido, “Pequeno Segredo” é um filme de acertos e falhas facilmente detectáveis, contando a sua estória melodramática de maneira fluída e com grandes acertos técnicos - como a fotografia de Inti Briones, que cria antagonismos por uma paleta de cores frias na Nova Zelândia e cores quentes quanto ao Brasil, fazendo uma mudança gradual com a inserção da família Schurmann no país europeu. “Pequeno Segredo” é o melhor filme do ano e merecia representar o Brasil no Oscar? Não! Mas também não é nenhuma atrocidade, já que conta a sua estória de forma coerente, ainda que em seu ar extremamente tendencioso. Ao final da projeção, a grande revelação de “Pequeno Segredo” é que este é apenas um filme bonito e funcional.

 




 Bom

Por Han Solo

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